O tempo da resposta foi alterado, seu corpo estava inquieto, roía as unhas com fúria.
Elena planejava encarar Arnaldo, expor seus sentimentos e assumir que não podia controlar essa situação.
- Arnaldo! Conhecemo-nos de um jeito meio tímido e sei que vou me apaixonar por você no futuro, mas sei que não vai dar certo. Eu não quero sofrer, prefiro terminar algo que nem começou para evitar constrangimento.
-Mas, Elena, o que te faz pensar que vamos caminhar sem direção?
Os animais, vegetais, minerais e mercadorias tinham um valor diferente esse dia permeados de significado, protagonismo e vida. Era um misto de valor material e imaterial. O humano não era o protagonista neste momento.
Elena lembrou o dia que foi pescar com o tio avô Mércio – ele era um daqueles velhotes que sabia tudo sobre peixes – desde quantas espinhas até a melhor receita para degustar.
Pensava:
-Tudo é nada, nada é tudo. O que será do futuro?
A tristeza que rondava seu coração nesta tarde abafada era a falta do tio Mércio – ele faleceu intoxicado por um alimento que ninguém havia decifrado – desde então Elena não comia mandioca. Alguns diziam que tio Mércio se foi por comer mandioca crua e seu estômago frágil não suportou a traição do alimento, já que seu prato predileto era ensopado de mandioca com tucunaré.
Elena resolveu pescar, seu desejo era ter a companhia de Arnaldo, mas resolveu estar a sós com sua solidão confortável. Sua cabeça era um misto de lembranças que invadiam a realidade. Sabia que a insatisfação amorosa era como um cadáver. Seu vestido estava amarrotado, ela não gostava de passar roupa. Era uma das tarefas domésticas as que mais odiava, isso, e lavar talheres.
Guardou em seu carro a vara que tio Mércio lhe havia presenteado e foi pescar em um rio próximo a um vilarejo que visitava com ele – há algum tempo Elena prezava por contornar os detalhes do céu e da água com seus olhos movimentados.
Seus olhos acompanhavam os raios de sol.
-Poderia ser enterrada hoje mesmo – refletiu Elena.
Seus dias eram enfadonhos – para o sexo nunca se entregava, fugia de Arnaldo, pensava sempre no divórcio (ela nunca havia casado, secretamente era seu maior desejo), na morte, na sua própria companhia solitária como se estivesse presa ao seu cadáver em vida.
A única coisa que faria ela se sentir viva novamente seria reencontrar o tio Mércio – não sabia o porquê, mas ele lhe mostrava caminhos plenos e sutis, talvez a paciência.
Lembrou vagamente da conversa com uma espécie de caboclo ancestral que conhecia dona Dita, uma benzedeira – ela fazia conexões entre a matéria e o mundo terreno.
No caminho da pescaria passou pela casa de dona Benedita, uma senhora humilde e benzedeira que ajudava qualquer pessoa que fosse de boa índole.
A porta de dona Dita era de madeira maciça, Elena bateu três vezes até que Dona Dita apareceu com o ar de quem já a esperava.
-Boa tarde dona Dita, será que a senhora poderia me ajudar em uma conexão extraterrena?
-Oxi minha filha, claro!
-Quero trocar algumas palavras com meu tio Mércio, que faleceu e ninguém sabe o motivo.
-Ah! Seu Mércio... ele se sentia um cadáver em vida, seu desejo de morte era tão vivo que acabou morrendo.
-Então a senhora quer me dizer que tio Mércio morreu porque queria?
- Mais ou menos isso, filha. Algumas pessoas são tão insatisfeitas que por mais vivas que estejam acabam mortas por pensamentos turvos.
- Entendo. O que posso fazer para amenizar a saudade?
- Olha, você pode fazer um ensopado de mandioca com tucunaré, cê sabe que era a especialidade do tio Mércio né?
-Sim. Obrigada dona Dita!
- De nada minha filha, vai com fé!
Elena continuou o caminho da pescaria e resolveu chamar Arnaldo para ajudar com o tucunaré. Passaram algumas horas na beira do rio até que pescaram o tão esperado peixe. Elena pensava:
-Eu preciso viver alguma coisa!
E resolveu que não queria ser um cadáver em vida, então se entregou a Arnaldo, ao ensopado de mandioca com tucunaré e deixou de pensar na morte por alguns minutos.
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