Abriu a janela, hoje não choveria. Alegre esperança invadia seu coração: não precisaria colocar as galochas, além de machucarem seus pés eram de plástico.
Aprendeu sobre a não chuva com ele.
Nasceu em Corrientes o que possibilitou simpatia imediata pelo meu portunhol - lembrava-se da infância, talvez uma irmã distante meio brasileira.
Sorte quando nascia o sol. As árvores expandiam sua beleza ofuscando o cheiro podre do frigorífico.
Incômodo mesmo era a umidade do ar, doía as articulações.
O trem de cor crua anunciava: a paciência será exercitada. Pelo menos sessenta minutos até a capital. Duas maneiras de aproveitar a viagem: conseguir um lugar para dormir ou estar acompanhada.
Lentidão veloz - sensação de voar impossibilitada pelo tempo e espaço.
A contradição da paisagem era tão bela quanto seus olhos. Seus olhinhos amendoados eram a porta para sua alma. Tinha muito frio, mesmo nesses dias de sorte. Me ensinou a tapar os ossinhos dos seios da face - dizia fazer bem.
Sua companheira fiel: garrafa térmica para cebar mates, sem açúcar, é claro.
A melhor torta frita eram suas mãos que forjavam.
A magia em ver seus dedos calejados pelo ofício (é florista, os calos de suas mãos são por um bom motivo) encontrando ar na massa. Seu segredo: um pouquinho de levadura.
Observava a fumaça do cigarro e revelava sua paixão por charutos cubanos.
Jardineiro, conhecimentos ancestrais e ainda que a saudade de seu filho persista (foi assassinado injustamente) seu sorriso constante é seu maior aliado.
Comíamos pizza em um bar proletário próximo ao posto de flores. Pizza com massa fina, bastante molho e queijo quase gratinado (enquanto a pizza não chegava me explicava como fazer um molho caseiro com parmesão pra pizza ficar com sabor único) - é um homem exigente, há quem o classifique como intransigente.
No intervalo de mastigar e preparar a próxima porção escutava atentamente sua visão: sempre falava de tudo com amor, simplicidade e humildade. Suas ideias póstumas incomodavam. Um senhor que muita gente subestima, mas suas leituras e experiências prezavam pelo silêncio.
Tão doce quanto as facturas não hesitava em um encontro breve, compartilhar um jugo de pomelo e abraçar sua alma com os olhos.
Sim. Seus olhos são tão significativos que a despedida deixava minha alma cheia de alegria.
Com alguns bocejos curava tua dor, dizia ser um dom. É meio bruxo. Mesclado. Uma espécie de caboclo dócil. Sentia-se meio brasileiro. Ligação breve, lembrança eterna.
quinta-feira, 31 de agosto de 2017
quarta-feira, 30 de agosto de 2017
trava
é dia
céu ensolarado
desejo transpassado
aurora
anseio pelo pôr do sol
vermelho
desejo de abraçar o mundo inteiro!
não! é dia meio nublado
café frio, amor meio boca
sentimento estagnado
é dia, céu quase estrelado
na noite do imaginário
é o sol
que aquece as labaredas de concreto
fingindo ser discreto.
céu ensolarado
desejo transpassado
aurora
anseio pelo pôr do sol
vermelho
desejo de abraçar o mundo inteiro!
não! é dia meio nublado
café frio, amor meio boca
sentimento estagnado
é dia, céu quase estrelado
na noite do imaginário
é o sol
que aquece as labaredas de concreto
fingindo ser discreto.
quinta-feira, 24 de agosto de 2017
aqui, agora
Ansiosa por natureza, unhas roídas e cutículas feridas retratavam
a pressa. Tinha dificuldade em engolir a comida, pois já pensava no próximo
gesto calculado com seu olhar de altivez.
Os sonhos tão significativos na terapia Freudiana, agora não
tinham mais sentido. Há anos buscava alguma CID para pertencer. Decidiu viver o
aqui e o agora – não havia motivos para ruminar tanto, essa coisa do silêncio
no divã causava incômodo. Desde estão, os sonhos transformaram-se em meros
devaneios do acaso.
Decidia muitas coisas chapada. Sua maior frustração era
sentir o cheiro e gosto da erva a caminho do trabalho – seu passatempo
preferido era fumar erva e escrever. Alguns dias de glória tirava a roupa
depois da fumaça virar neblina e dançava como se alguém a visse.
Uma garrafa de vinho nunca é má ideia, aliás, melhor
casamento sem possibilidades de divórcio. Amor eterno.
Beberia todos os dias, mas com cautela lembrava das palavras
do Caboclo:
-Nem tudo o que desejamos é o que necessitamos.
As palavras significavam muito, talvez mais que os sonhos.
Havia tomado a decisão de sincronizar seus atos com suas
palavras.
Abandonara a ideia de sincronizar sexo com amor.
Adormecia pensando em seus beijos. Mentira. Desde a primeira
vez que conversaram tinha curiosidade por saber qual expressão presenteava seus
traços ao despertar. Romântica alucinógena.
Odiava seus vizinhos. O canto artificial dos pássaros fodia
sua cabeça, não conseguia entender a necessidade de prender animais.
Decidida a não brigar, apenas por grandes feitos. Ignorava os
gritos, afinal no capitalismo é preciso preservar a integridade moral.
À espera do ônibus sentiu o asfalto respirar. Essa impressão
funcionava como alavanca: confundia realidade com fantasia. Mesclava situações com
vontades.
Essa noite sonhou que o amava.
Ele visitou seus sonhos porque antes do sono chegar, pensava
em seus lábios.
O sonho causou explosões.
A primeira explodia o controle de seus sentimentos.
A segunda era uma espécie de um novo conceito de amor –
sabia que o amava, mas o tempo era escasso a ambos. Estava aprendendo a dosar a
lentidão veloz.
A terceira e última pode perceber que seu sonho mesclava a
realidade, pois essa sensação já foi criada, esse sentimento tombado e seu coração
sempre assaltado em chamas descansava de sua loucura. Era um aprendizado,
questionar-se sobre o que é amar e o que é o amor.
Resignificando pensava no poeta:
O amor é um pássaro de livre pouso.
A felicidade são momentos dosados no aqui e no agora.
quarta-feira, 23 de agosto de 2017
hora que não passa
Confere as horas religiosamente. A ideia que invade constantemente seus pensamentos é única: saudade de seu filho.
Notável sensibilidade em seus olhos, ar romântico de uma moça que ama sua família.
Seus dedos estão gastos. Água sanitária, desinfetante, detergente - sua vida é limpar.
Tanta limpeza a fará invisível?
Confere as horas novamente, seus olhos demonstram fadiga, mas seu olho esquerdo meio trêmulo transparece a ansiedade da jornada de trabalho que não terminou.
Ela está cansada de trocar o uniforme pela roupa gasta.
Caminha até o ponto, notável desânimo.
Dá sinal, a lotação chega. Como impulso cotidiano adentra - está cheia, alguns estão indo estudar, outros não - são infinitas possibilidades de destinos.
Desatenta, desce um ponto antes e caminha - seus pés estão calejados, doem um pouco. Seu ofício imposto pelo sistema deixa os calcanhares gastos.
Apenas chega e encontra seu bebê, seu coração inunda de alegria, seus olhos não estão mais ansiosos: agora parecem um mar calmo.
Tranquilizada pelo cheiro de sua prole, esquece da pilha de louças. Esquece que sua filha não sabe limpar direito e aceita sua ajuda sem reclamar.
Seu único desejo é estar. Ela trabalha pra manter tudo limpo para filhos e filhas - nenhum que venha de seu ventre.
Enquanto ela mantém tudo limpo, quem cuida da limpeza de seus filhos?
A saudade que aperta e une as energias mesmo com a distância física.
Notável sensibilidade em seus olhos, ar romântico de uma moça que ama sua família.
Seus dedos estão gastos. Água sanitária, desinfetante, detergente - sua vida é limpar.
Tanta limpeza a fará invisível?
Confere as horas novamente, seus olhos demonstram fadiga, mas seu olho esquerdo meio trêmulo transparece a ansiedade da jornada de trabalho que não terminou.
Ela está cansada de trocar o uniforme pela roupa gasta.
Caminha até o ponto, notável desânimo.
Dá sinal, a lotação chega. Como impulso cotidiano adentra - está cheia, alguns estão indo estudar, outros não - são infinitas possibilidades de destinos.
Desatenta, desce um ponto antes e caminha - seus pés estão calejados, doem um pouco. Seu ofício imposto pelo sistema deixa os calcanhares gastos.
Apenas chega e encontra seu bebê, seu coração inunda de alegria, seus olhos não estão mais ansiosos: agora parecem um mar calmo.
Tranquilizada pelo cheiro de sua prole, esquece da pilha de louças. Esquece que sua filha não sabe limpar direito e aceita sua ajuda sem reclamar.
Seu único desejo é estar. Ela trabalha pra manter tudo limpo para filhos e filhas - nenhum que venha de seu ventre.
Enquanto ela mantém tudo limpo, quem cuida da limpeza de seus filhos?
A saudade que aperta e une as energias mesmo com a distância física.
segunda-feira, 21 de agosto de 2017
Pesca significativa
O tempo da resposta foi alterado, seu corpo estava inquieto, roía as unhas com fúria.
Elena planejava encarar Arnaldo, expor seus sentimentos e assumir que não podia controlar essa situação.
- Arnaldo! Conhecemo-nos de um jeito meio tímido e sei que vou me apaixonar por você no futuro, mas sei que não vai dar certo. Eu não quero sofrer, prefiro terminar algo que nem começou para evitar constrangimento.
-Mas, Elena, o que te faz pensar que vamos caminhar sem direção?
Os animais, vegetais, minerais e mercadorias tinham um valor diferente esse dia permeados de significado, protagonismo e vida. Era um misto de valor material e imaterial. O humano não era o protagonista neste momento.
Elena lembrou o dia que foi pescar com o tio avô Mércio – ele era um daqueles velhotes que sabia tudo sobre peixes – desde quantas espinhas até a melhor receita para degustar.
Pensava:
-Tudo é nada, nada é tudo. O que será do futuro?
A tristeza que rondava seu coração nesta tarde abafada era a falta do tio Mércio – ele faleceu intoxicado por um alimento que ninguém havia decifrado – desde então Elena não comia mandioca. Alguns diziam que tio Mércio se foi por comer mandioca crua e seu estômago frágil não suportou a traição do alimento, já que seu prato predileto era ensopado de mandioca com tucunaré.
Elena resolveu pescar, seu desejo era ter a companhia de Arnaldo, mas resolveu estar a sós com sua solidão confortável. Sua cabeça era um misto de lembranças que invadiam a realidade. Sabia que a insatisfação amorosa era como um cadáver. Seu vestido estava amarrotado, ela não gostava de passar roupa. Era uma das tarefas domésticas as que mais odiava, isso, e lavar talheres.
Guardou em seu carro a vara que tio Mércio lhe havia presenteado e foi pescar em um rio próximo a um vilarejo que visitava com ele – há algum tempo Elena prezava por contornar os detalhes do céu e da água com seus olhos movimentados.
Seus olhos acompanhavam os raios de sol.
-Poderia ser enterrada hoje mesmo – refletiu Elena.
Seus dias eram enfadonhos – para o sexo nunca se entregava, fugia de Arnaldo, pensava sempre no divórcio (ela nunca havia casado, secretamente era seu maior desejo), na morte, na sua própria companhia solitária como se estivesse presa ao seu cadáver em vida.
A única coisa que faria ela se sentir viva novamente seria reencontrar o tio Mércio – não sabia o porquê, mas ele lhe mostrava caminhos plenos e sutis, talvez a paciência.
Lembrou vagamente da conversa com uma espécie de caboclo ancestral que conhecia dona Dita, uma benzedeira – ela fazia conexões entre a matéria e o mundo terreno.
No caminho da pescaria passou pela casa de dona Benedita, uma senhora humilde e benzedeira que ajudava qualquer pessoa que fosse de boa índole.
A porta de dona Dita era de madeira maciça, Elena bateu três vezes até que Dona Dita apareceu com o ar de quem já a esperava.
-Boa tarde dona Dita, será que a senhora poderia me ajudar em uma conexão extraterrena?
-Oxi minha filha, claro!
-Quero trocar algumas palavras com meu tio Mércio, que faleceu e ninguém sabe o motivo.
-Ah! Seu Mércio... ele se sentia um cadáver em vida, seu desejo de morte era tão vivo que acabou morrendo.
-Então a senhora quer me dizer que tio Mércio morreu porque queria?
- Mais ou menos isso, filha. Algumas pessoas são tão insatisfeitas que por mais vivas que estejam acabam mortas por pensamentos turvos.
- Entendo. O que posso fazer para amenizar a saudade?
- Olha, você pode fazer um ensopado de mandioca com tucunaré, cê sabe que era a especialidade do tio Mércio né?
-Sim. Obrigada dona Dita!
- De nada minha filha, vai com fé!
Elena continuou o caminho da pescaria e resolveu chamar Arnaldo para ajudar com o tucunaré. Passaram algumas horas na beira do rio até que pescaram o tão esperado peixe. Elena pensava:
-Eu preciso viver alguma coisa!
E resolveu que não queria ser um cadáver em vida, então se entregou a Arnaldo, ao ensopado de mandioca com tucunaré e deixou de pensar na morte por alguns minutos.
segunda-feira, 14 de agosto de 2017
Leonina
Chegou menina
sem saber que era mulher. Saia de corte reto com salto estratégico. Seus olhos
assustados esboçavam o medo do conhecimento: não sabia ao certo em qual padrão
encaixar-se. Afinal, sua aspiração leonina era ser bem aceita, não por status,
mas por gosto, vontade de não ser mais ofuscada.
Desde a infância
seu corpo foi invadido, seja por símbolos ou pelo peso da mão torpe de um homem
que supostamente deveria cuidá-la. Em sua casa era uma espécie de pai, mãe e
madrasta – todos os problemas eram resolvidos por suas mãos desde comprar o gás
até amenizar as dores das palavras árduas de seus pais. A garrafa de cachaça
presente com o hálito mesclado a estômago vazio.
Vivia contando
moedas quando não para o lanche para a máquina de xerox: a necessidade de expansão
mental a tiraria dessa tarefa condicionada, mas não escolhida.
Algumas confusões
invadiam sua cabeça: não sabia ao certo em que e em quem acreditar, mas como
hábito não parava – na sua concepção quem amortece é fracassada.
Quando notou que
era mulher seu relacionamento terminou, doava e não recebia o mesmo – sempre ofertando
seu barco a mares tempestuosos.
O curso das
horas seria modificado, não apenas pela percepção de gênero e sim através do
estudo e escrita da História – no futuro seu desejo de ser uma mulher iluminada
será tempestuoso, no entanto, concluído.
Sua beleza é
singular. Seus cabelos vermelhos sintonizam com sua cor doce de leite, presença
notável, opinião forte, aventureira. Mulher.
Renasceu. Reviveu.
Resignificou. É mestra. Mulher. Menina. Amiga. Companheira. Amor. Dor. Conflito.
Seus pensamentos
de fracasso são meros devaneios que brincam com as luzes tortuosas do acaso.
Porque é mulher
desde menina.
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
tempero de mar singular
Teu toque delicado com ar selvagem
Dosado em meus braços
A beleza do seu corpo
Labaredas
Desejo de sentir que seus olhos procuram os meus
Quase como um segredo velado no silêncio falante do teu olhar tão sério
Tão singelo
Tão profundo
Que remete o som das ondas do mar tocando as pedras.
É assim que me sinto quando você me pega de quatro, na borda da minha cama: um
mar penetrado.
quarta-feira, 2 de agosto de 2017
;
talvez os dias arrastados pela monotonia coletiva tenham sentido no contorno das nuvens que beijam o céu
nas raízes das árvores que abalam estruturas sem aviso prévio
a raiz destrói o que está firmado no concreto
talvez a vida se resuma em sentir odores
despertar sabores de novas auroras
conectadas a simplicidade dos desenhos breves.
nas raízes das árvores que abalam estruturas sem aviso prévio
a raiz destrói o que está firmado no concreto
talvez a vida se resuma em sentir odores
despertar sabores de novas auroras
conectadas a simplicidade dos desenhos breves.
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