Inclinou-se como um galho envergado na natureza morta, sua concepção de vida já não fazia muito sentido na caminhada que escolhera. Seus olhos pesados refletiam a tristeza tardia do velho jargão: não há saída.
Seus passos ha muito eram involuntários... Era impossível esboçar qualquer sinal de alegria ou mesmo plenitude em seu cotidiano – não havia como questionar, pois a reflexão não era presente em suas memórias, aliás, o que é memória?
A teia viva não existia, o baú imaginário de lembranças insatisfatórias e felizes não fazia parte daquela vida, o vidro do antigo quarto sequer teria sido aberto se não fosse o mau cheiro.
Esse é o tipo de pessoa 1, que classifica tudo como comum, natural e não consegue uma pausa dramática pra prestar atenção em sua própria respiração.
Casamento, filho, carro, tradições, família, viagens, casa, decoração, plástica, cremes, vaidade, esmaltes, loções, perfumes, academia, poder, coerção. Coma isso! Beba aquilo! Como ser uma boa mãe, compre já aqui!
Essa é a pausa dramática: as revistas pensam por você, afinal, aquela dúvida antiga será respondida na próxima coluna..enquanto isso, você pode resolver as cruzadinhas. O preconceito mora no pré conceito da necessidade do que você tem de ser igual ao que despreza.
- não. Negação. O costume da penumbra leva os outros indivíduos a contestarem tudo o que foi citado acima. Essa convenção social que integra todos os elementos para adquirir uma vida feliz, não responde as inquietações daquelas malditas mentes.
O galho involuntário da natureza morta nesse caso é a reflexão. É perigoso ser reflexivo, o confronta mento com a própria mente caminha a perplexidade. Aquela inquietação de tempos imemoriais ainda continua, mas de outra forma.
A forma tornou-se aberração. A reflexão proporcionada pela exclusão das convenções sociais criou uma teia a parte: o reflexo passa pra ação. Se a liberdade entra em meus méritos, isso quer dizer que sou libertadora. Abraço o mundo então, ajudo as pessoas, as respeito, crio laços, abro espaço, amo o cansaço, digo sim, te abraço, te ajudo, sorrio, uma lagrima com você, um cigarro, uma cerveja, um afago. Um desabafo, um conselho, uma tarde em casa: pode chegar, quero te libertar.
A liberdade não tem um cheiro característico, ela caminha pelas luzes tortuosas das bordas – ela preenche o frio, o vazio e até a apatia. A liberdade é inexplicável, a sensação de plenitude beira ao acaso.
Os anos passaram, esse é o tipo de pessoa 2, aquela que sofre com a reflexão – alheia.
O vazio de todas as outras pessoas do tipo 1 são depositados na tipo 2. A pessoa tipo 2 não consegue perceber a necessidade de livrar-se do enjaulamento subjetivo – o inconsciente faz sua parte.
É claro que as pessoas do tipo 2 tem um ideal – talvez de liberdade.
O ideal aproximou-se. O irreal tornou-se finalmente, palpável.
--Finalmente! Pensou a pessoa tipo 2. Vou ser livre de acordo com meus ideiais de liberdade, encontrei alguém que preza pelo mesmo sentido das águas: algo que esta livre da dominação, coerção e jogos.
Perigoso. O ideal anula a individualidade causando amortecimento, a liberdade tardia não faz sentido, pois ela não existe.
Eu te libertei, mas não quero nada em troca porque a troca nesse momento não faz mais sentido, não faço parte da reciprocidade, pois não acredito nos valores impostos – não há alguém para dirigir a gentileza. A gentileza alheia é uma extensão dos dias arrastados pela monotonia coletiva. A insatisfação pode ser resolvida com pílulas.