quinta-feira, 18 de outubro de 2018

fragmentos sobre páginas

A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”
Sempre gostei dessa frase e da pluma poética do Milan Kundera e da Insustentável Leveza do Ser.
A reflexão existencial permite possibilidade de diálogos infinitos, seja na rua, no trabalho, em uma mesa de café – são infinitas maneiras de aproximar e criar a ponte da palavra.
Kundera diz que quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa vida e mais ela é real e verdadeira, porém a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe e se distancie da terra.
E então? O que escolher? O peso ou a leveza?
Na verdade, as escolhas não são duais e emergenciais, dentro da história elas vem como um processo lento e gradual.
“Nós naturalizamos o que não é natural” – disse o professor de dramaturgia quando interromperam a leitura coletiva. Em uma segunda-feira atípica espontaneamente o assunto foi retomado por uma mulher que havia estudado a naturalização da violência. Refleti tanto sobre e desde então muita coisa parece fazer mais sentido.
Por que naturalizamos piadas opressoras? Comunicação violenta? Naturalizamos sentir dor, naturalizamos o sofrimento. Calamos. Naturalizamos o incomodo alheio.
Todo mundo fica doente constantemente: tosse, cansaço, fadiga, dor de garganta, dor de cabeça, dor na lombar, dor no pescoço, etc. fora os curtos circuitos mentais.
As coisas são fragmentadas. Fragmentamos o corpo da nossa mente. É como se eles não tivessem nenhuma conexão.
Nós somos uns “passadores de pano” e não só dos outros (as), mas de nós mesmos.
Isso me faz pensar se estamos preparados (as) para os tempos de agora.
Voltando ao Kundera e seu peso – porque nós, mulheres julgamos tanto a nós mesmas e somos condizentes com os homens? – Essa foi a pergunta da minha terapia essa semana.
Nos círculos sociais que frequento e ao longo da minha vida tive relacionamentos e presenciei relacionamentos onde não havia respeito da individualidade, não há limite para conquistar o outro, vale tudo e até mesmo sua sanidade mental.
É saber que sua razão está abafada na emoção e seguir, remando firme o barco, porque afinal, é natural a gente se sentir um pouco mal né? E depois um pouquinho mais e mais e mais e mais até que: onde sou eu e onde é o sacrifício pela felicidade do outro?
Ou porque preciso satisfazer minha própria vontade ou afogar a solidão na repetição de momentos
.
Não temos o agora e já queremos o depois. É o imediatismo. Tudo tem que ser resolvido rápido, o tempo natural das coisas foi esquecido (a larga escala de produção é um exemplo ótimo) – a sensação de não estar no controle dissipa viver o novo. Somos coisificados.
Seria uma reflexão existencial? Algo que nos faça flutuar e não pender o peso da escolha na terra?
Escrevo para evitar a dor de garganta, a fadiga, o cansaço. Escrevo porque sinto algo terrível quando naturalizam coisas que não para ser naturalizadas e por um simples desejo individual de que o outro mude, perceba, há aprendizados na vida que são solitários e isso não é algo ruim.
A solidão pode ser resignificada. Talvez eu seja pragmática, talvez conservadora em alguns pontos de vista, porém gosto de me proteger com esse peso porque talvez a história tenha me feito endurecer, mas perder a ternura jamais.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

brisa da árvore


Enrijeci. Há tempos essas linhas gritam dos meus dedos e nunc consegui organizar meus pensamentos para elas pularem. Segui apaixonada por dez anos suspirando, desejando que em algum momento as coisas naturalmente seriam propostas. Meu ideal de amor morreu junto a essa paixão. A gente nunca fica com nosso primeiro amor. Tenho um perfil de pessoa cuidadora. Meu coração as vezes dói com a falta de reciprocidade, dói saber que alguém está tão machucado nessa cidade. Te ajudo, um abraço, uma companhia, um café, uma caminhada.
Oferto. Espero? Não. Apenas oferto. Sigo pelo caminho das árvores – se a neblina acompanhar é um caminho a desbravar. É por isso que não espero, o ruído da cidade me deixa cansada. Um pouco estupefata. O cheiro da grama e o encontro de luzes nas folhas sempre me atraiu mais do que palavras recheadas de superficialidade. Desde a descoberta do meu amor pelas árvores e nuvens sinto que me encontrei.
É claro que a ideia de estar acompanhada para descrever as formas flerta comigo, mas também se não há, o verde da mata me basta.
Dentro de mim, sempre soube a direção, mas pela forca dos contrários fugi.
Me casei em 2014, mas não fiz uma festa – nessas longas caminhadas pelas diferentes paisagens refletia que meu casamento seria uma festa singela. Nunca fui uma pessoa materialista, talvez um pouco minimalista. Me ausentei das caminhadas.
Eu casei sozinha. É isso que penso após quase dois anos de mulher divorciada. Matei no peito meu desejo de caminhar. Paralelo as caminhadas, meus pés cansados e a sede eu segui, andava, andava mesmo sabendo do meu limite. Meu casamento foi igual. Meus pés doíam, mas eu continuei porque essa auto-exigência sempre foi primordial na minha vida. Tudo o que proponho não posso me permitir fraquejar. Meu casamento me ensinou que posso ser forte, mas também fraquejar. Fui invadida. A dor em grito de alerta me fez desaparecer assim como a neblina. Racionalizei, sofri, calei, chorei quando percebi que realmente fracassei.
Será um fracasso? Não sei. Ainda processo a ideia de destruir para construir e daqui há algum tempo essa memória esteja esclarecida. São etapas de superação e cura após ruptura. É um caminho árduo poder falar o que sente.
Meu reencontro com as árvores foi especial. Há sempre um recorte natural na paisagem de concreto. A lua cheia brilha por entre os prédios.
A solidão sempre foi minha companhia desde que me compreendo como um ser contemplativo e reflexivo. Talvez minhas tentativas de demonstrar o quanto posso ser companheira fosse para preencher meu vazio. Então não foi um fracasso, apenas não havia refletido que a solidão é singular e eu tenho que enfrentar.
Respeitar e desejar que o outro possa estar mesmo além do óbvio. Não há como prever se as coisas podem dar certo, mas há como se auto respeitar, limitar o que toca muito perto da sensibilidade mais profunda, da fragilidade mais ausente, porém presente em confusão de desejos.
As caminhas, arvores, passagens e vielas são terapia singela.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Ana

nunca desejei sua ausência
apenas tinha em conta que em algum momento você não estaria
e como sempre, me fiz de forte
desaguei, mas não virei mar
apenas um lago com profundidade rasa
me contive
não estive
ao lado do seu corpo frio
não pude
não deu
mas já sabia
na dúvida, sempre te disse que eu não estaria em sua ausência
amor duradouro
sinto
proteção dos obstáculos
caminhos árduos
e hoje, meu pulmão um pouco fraco lembra as batidas do seu coração
quando escutava
fazia minha prece
essa mulher há de ser eterna
e não é que foi?
eternizada na bondade
seu legado maior foi o amor.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

menino cometa

passos leves
olhar sincero
aproximou-se
seu desejo é conectar-se
acostumado ao não já planifica o plano b: tocar violão e mostrar suas composições
existencialismo
é sua maneira de expressar
afirma que os sonhos são assim.

"Moro longe, por isso não venho. Na escola eu apronto, mas quem é que não?"

suas mãos carregam uma caixinha verde um pouco gasta, notável ação do tempo.

seu elefante de miçangas brilha assim como o sol pela janela

imagina como seria legal ver o vídeo, mas lembrou que não havia maneira de conectar-se.

agarra os fones e centrado nas imagens segue seu objetivo: terminar o elefante.

sorriso largo.
satisfação por tomar suco e comer pão.

"Vou guardar para os meus irmãos, não sou guloso não!"

Agora caminha ligeiro, sua imagem vai distanciando,
seu semblante esperançoso deseja o até breve
na ladeira da avenida.  

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

vermelho - sua cor preferida
lembra sangue, rosa, fogo
olhos fortes, desconfiados
letras são apenas letras
uma ordem sequencial transformada em significados
vermelha, melancolia
a dúvida entre aceitar a sua condição
ou apenas remar
com olhos de dragão.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

modificar a memória
reescrever a história
levar as mágoas desaguar
pra transformar olhos cheios de expectativas
em um mero sopro
tão leve quanto a brisa

tão inesperada neblina
de esforços sem medidas
pra dizer que aqui estou
e poderia tomar um café ou
sentir teu cheiro

mas tua ausência
tão frequente
deixam teus beijos distantes