segunda-feira, 7 de setembro de 2015

DIAS GÉLIDOS

Todos os dias a velha senhora se levanta cedo e rega suas plantas. Seu marido aposentado não a ajuda em nenhuma tarefa – seja comprar o pão na esquina, seja esperar ela no ponto de ônibus.
Esse escrito remete a muitas outras histórias que vivi – algo parecido com a velha casa da rua estreita – esse incomodo e lembrança é o motor da minha escrita. Já faz muito tempo que as letras não deslizam em minhas linhas redundantes e simplistas – acredito que o sentimento de frustração me faz vomitar todas essas letras em uma caixa de plástico cinza.

Retomando a velha,

Ela se levanta todos os dias cedo e vai regar suas plantas. Como religião alimenta seus gatos e pensa em todas suas tarefas para esse dia. Seu marido bêbado não reconhece nenhum esforço de sua mulher para agradar-lhe – é uma imposição que ele seja tratado como rei.

Todas as noites ele está frustrado, não somente as noites, mas os dias também. Sempre trabalhou servindo pessoas com mais poder aquisitivo e assim pôde entrar em contato com o mundo da alta gastronomia, mas isso não se reproduze em sua casa porque ele não faz parte dessa classe social. Essa é uma de suas principais frustrações: a vontade de pertencer a classe média que come caviar e se sente especial.

Para afogar suas mágoas joga na loteria. Todos os dias está esperando que seu número saia para ter uma novidade em sua vida. Infelizmente seus números não saem. E ele se frustra mais uma vez.

A.      é seu filho – outra grande parte de sua frustração: por falta de diálogo e pulso firme seu filho não tem trabalho (também se pode expressar pela via mais séria a falta de oficio do seu filho: o país que vive essa família destruiu a cultura do trabalho através do assistencialismo). Seu filho é também um bêbado – como toda sua família: dos seus irmãos até seus primos – todos tomam um vinhozinho.
O velho se frustra e obriga a todos o tratarem como um rei: suas bolachinhas não podem ser tocadas, seu queijo não pode ser compartilhado, seu iogurte intocável. É como viver na rua estreita e ter que prestar contas a um velho frustrado que te subestima todo o tempo com sua vida medíocre.
Uma casa com regras e em cada canto da casa se sente o cheiro a álcool. Abro a porta do armário e encontro um copo de vinho, olho embaixo da minha cama e tem uma caixa velha de vinho. Observo pelo jardim e escondido atrás do tronco da árvore também tem um vinho.
A maneira de comunicar-se é através da violência e hostilidade – o óbvio se torna obrigação, o puro se torna desgraça. Todos gritam e perdem as coisas – isso não é habitual como na antiga casa. Lá eram todos obrigados a se adequar e aquele que não – era expulso do aquário.
A pergunta que ecoa em meu cérebro é: em que momento da minha vida eu decidi regredir? Em que momento da minha vida eu escolhi viver confinada em um aquário que não me desperta o mínimo de interesse?
Sinto falta do que fui – é como sentir saudade de você mesmo e não poder sair da sua situação por ter uma vida conjunta. É onde me pergunto também – até que ponto as relações humanas não são obrigadas e sufocantes? Até que ponto as discussões políticas e anacronismo não incomodam a singularidade?

Sou uma pessoa singular com uma representação social. Sou uma mulher que elegeu um caminho: trabalhar e ter uma vida digna. Trabalhar e ser dona da sua própria vida.
Eu já entendi há mais ou menos cinco anos que não se pode ter paz se não for independente financeiramente, não se pode viver tranquilo sem um piso econômico. Isso não é ser pequeno burguês – isso é sobreviver.
Eu sobrevivia bem com as minhas desgraças, com meus medos e anseios, também sobrevivia ocultando meu papel de ´´vanguarda´´. Tenho raízes...não estou caindo e buscando sempre uma queda menos dolorosa – eu já sei cair e já sei levantar.
Minhas raízes são meus anos de trabalho, meus anos de sangue e sofrimento para lograr minha representação social. Não foi grátis, não foi em vão – eu não posso jogar no lixo minha vida – meu recorrido histórico e marcas que deixei.
A cada dia que passa tenho que deixar minha auto corrupção, retomar meu sentimento workaholic...afinal eu já tive quatro trabalhos em um pequeno lapso de tempo para descansar. E que caralho me passou afinal? Quem merda sou eu?
O que me dizem ou o que construí até aqui?
Me parece que a segunda resposta é a concreta.

Eu não posso deixar me vencer pela preguiça e pelo negativismo. Eu já superei essa etapa.